Após 9 anos Tremedal continua sendo destaque nacional em subdesenvolvimento


Publicado em 30/07/2019 | 379 Impressões | Escrito por Renato Abreu


Após 9 anos Tremedal continua sendo destaque nacional em subdesenvolvimento

Tremedal, que há cerca de 7 anos foi notícia nacional em índices de desenvolvimento (reveja notícia), volta a ser destaque negativo nacionalmente.

A geladeira está encostada na parede da cozinha, mas não funciona. Mesmo se funcionasse, não teria muita serventia: na casa de José Santos Oliveira, 58, há apenas farinha, 300 gramas de arroz cru e pedaços de mamão verde.

O cardápio de José, sua mulher e seus sete filhos foi apenas arroz na última segunda-feira (22). A família enfrenta um flagelo que, segundo o presidente Jair Bolsonaro, não existe mais no Brasil.(...)

A família de José vive no povoado de Araçá, na zona rural de Tremedal (600 km de Salvador). O município fica a 82 km de Vitória da Conquista, onde Bolsonaro desembarcou na terça-feira (22) para inaugurar um aeroporto.

A Folha visitou quatro das famílias mais pobres dos povoados mais isolados de um dos municípios de menor índice de desenvolvimento humano do país – em relação ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), Tremedal ocupa o 5.408º lugar dentre os 5.570 municípios brasileiros.

As famílias fazem parte do 1,8 milhão de beneficiários do Bolsa Família na Bahia. Em geral, o benefício federal é a única renda que eles têm para colocar comida na mesa. Mas o comum é que o dinheiro acabe com 15 ou 20 dias, resultando em dificuldades todo fim de mês.

Fincada entre o sudoeste da Bahia e o norte de Minas Gerais, Tremedal possui 17 mil habitantes e uma população em tendência de queda, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A queda é resultado da migração, caminho de muitos pais e mães de família diante da falta de trabalho —apenas 5% da população economicamente ativa da cidade possui um emprego formal. Das quatro famílias ouvidas pela reportagem, três têm filhos que moram e trabalham em São Paulo.

Noilza Maria de Jesus tem 45 anos e dez filhos e mora no povoado de Tapioconga. Da sede do município até lá são cerca de 50 km em estrada de terra, em um caminho com algumas casas isoladas e outros povoados. A única fonte de renda dela são os R$ 320 que recebe do Bolsa Família.

Ela mora em uma casa de adobe e cozinha em fogão a lenha a única refeição do dia: arroz e feijão. Na sua geladeira, que também não funciona, há apenas três tomates parcialmente podres, meia abóbora e um pote de maionese.

Espalhadas pelas prateleiras, há quatro garrafas com chás de folhas colhidas no quintal. Em uma garrafa menor, uma garapa com água e rapadura que Noilza dá para a neta de três anos quando a menina sente fome.

“Olha, moço, eu tenho vergonha, mas vou falar pra vocês. Muitas vezes falta [comida], semana passada mesmo faltou”, afirma Noilza.

Como não conseguiu comprar fiado nos armazéns do povoado, a solução foi colher uma mandioca no quintal e servir uma sopa rala aos filhos.

Pequena, a plantação que tem nos fundos da casa é apenas para subsistência. O solo pedregoso, a seca e a falta de assistência, contudo, fazem com que a colheita seja ínfima.

No mesmo povoado, José de Jesus Silva, 56, mora em uma casa simples com sua mulher, Maria Silva, 40. Ambos sobrevivem com R$ 180 do Bolsa Família.

Ele passou mais de duas décadas entre idas e vindas a São Paulo, mas, como não conseguiu um emprego fixo, acabou retornando à Bahia: “A idade vai ficando mais avançada, ninguém quer dar mais trabalho”, afirma.

Em geral, o cardápio da casa é apenas arroz e feijão. Muito raramente tem condições de comprar um frango ou uma calabresa. Carne, já não lembra a última vez que comeu: “Sempre falta [comida], e aí só Deus mesmo. Tem hora que o negócio é cruel."

No povoado de Lagoa Preta, a 35 km da sede de Tremedal, Dalva Novaes Viana, 47, serve um prato com farinha e um pequeno pedaço de frango para a filha Marizete, 7.

Com ensino fundamental incompleto e sem nunca ter trabalhado formalmente na vida, ela se separou recentemente do marido que, segundo ela, é alcoólatra e a agredia.

Sem emprego e sem condições físicas de trabalhar no campo — sofre com constantes e fortes dores de cabeça—, passou a depender da ajuda dos irmãos para conseguir alimentar a família. Seus dois filhos mais velhos migraram para São Paulo, mas ainda não conseguem mandar dinheiro para ajudá-la.

“A comida aqui é contada. Normalmente é arroz, andu, farinha e às vezes um frango. Carne já faz mais de mês que não como”, afirma Dalva.

Ela diz ter vivido o momento de maior dificuldade quando ainda estava casada e o marido gastava em bebida até o dinheiro do Bolsa Família. “Precisava de minha sogra para conseguir um punhado de arroz ou um ovo.”

Distante 19 km da família de Dalva, José Santos Oliveira, 58, mostra a panela vazia em cima do fogão a lenha. Sua principal reclamação é falta de trabalho, qualquer que seja.

“Isso aqui é um buraco, não tem nada. Muito raramente aparece uma diária de trabalho na roça”, diz. Os R$ 300 que sua mulher recebe do Bolsa Família, em média, duram 15 dias.

Quando o dinheiro acaba, os filhos vão para o mato em busca de qualquer coisa que possa servir de comida. Na segunda-feira, conseguiram apenas pedaços de mamão verde, que serão cozidos sob o fogão a lenha.

Muitas vezes, conta José, somente a merenda escolar garante a alimentação diária dos filhos. O cardápio na escola, contudo, não é dos mais nutritivos: “Uma hora é sopa, outra é chá com bolacha e às vezes não tem nada”.

A desnutrição se reflete no corpo magro e na baixa estatura dos filhos. No ano passado, um deles chegou a desmaiar na escola por falta de comida.

Ainda faltavam nove dias para o fim do mês e José dizia torcer por alguma ajuda de vizinhos ou da igreja até chegar agosto e a possibilidade de saque do Bolsa Família.

“Fazer o quê? Se não conseguir nada, a gente mistura a farinha com água e come assim mesmo. Roubar é que eu não vou.”

Folha uol

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