Breves comentários sobre o romance “A Última Parada do Tropeiro Deocleciano Sabino Prado”, de Renato Senna.


Publicado em 28/07/2019 | 16 Impressões | Escrito por Renato Abreu


Breves comentários sobre o romance “A Última Parada do Tropeiro Deocleciano Sabino Prado”, de Renato Senna.

Por Marcos Nunes Loiola, bacharel em Direito pela UFBA.

 

O título sugestivo foi o motivo que me levou a adquirir um exemplar do romance de Renato Senna. O tropeirismo sempre me despertou paixão e curiosidade. Logo, imaginei encontrar uma obra repleta de boas histórias sobre as andanças do tropeiro Deoclecioano pelos sertões da Bahia. Mas fui “enganado”! Renato nos apresenta não a história de Deocleciano, mas a história de vida do seu neto Cortiniano Sabino Soares Prado, ou simplesmente Seu Có do Barreiro. O oleiro Có foi o único descendente direto de Deocleciano que resolveu tocar a sua vida em Lagoa Grande, nas redondezas de Vitória da Conquista, local da “última parada” do seu avô. Mas o ponto central dessa “enganação” que Renato faz com o leitor é a seguinte: a trajetória de Seu Có não decepciona, pelo contrário, ela tem força e beleza gritantes, suficientes para prender e encantar o leitor.

Com uma linguagem simples e ao mesmo tempo sofisticada, as cenas da vida de Seu Có são construídas com riqueza de detalhes. Em diversos momentos, para exemplificar essa qualidade do autor, Renato não esquece da natureza para compor as cenas, valendo-se do canto e o voo dos pássaros, dos sons emitidos por animais, da presença de formiguinhas caminhando enfileiradas, da beleza das plantas e flores e do comportamento de Tinhoso, cachorro inseparável do oleiro Có. Isso tudo traz sensibilidade poética às cenas.

Basicamente, o livro é composto por diversas recordações de Seu Có, em especial aquelas surgidas durante a viagem que ele faz a pé até Vitória da Conquista para visitar sua esposa doente. Desse modo, o Tempo parece adquirir o status de “personagem” no romance. Ou seja: o passado está sempre pulsando no presente de Seu Có. Seu Có era, o tempo todo, tudo aquilo que ele já havia vivido, assim como nós também somos aquilo que já vivemos. O passado é uma espécie de herança da qual a gente não consegue se desvincular, a não ser quando a morte chegar. Diariamente, todos nós buscamos na memória recordações para justificar, compreender ou mesmo renegar situações vividas no momento presente. 

Renato transita pelo drama, pela comédia, pelo poético e até mesmo pelo erótico na composição do romance. Ponto muito relevante, ainda mais em se tratando de uma história de vida, que nada mais é do que um mosaico de sentimentos e emoções. Fiquei emocionado e entristecido com a doença de Grisola, esposa de Seu Có, ao ficar internada por dias num leito de hospital em Conquista. Por outro lado, também ri bastante com o personagem Pacífico, homem de gênio forte que, ao chegar na casa de seu primo Có, age com desaforos, xingando sua esposa de preguiçosa e ordenando que lhe trouxessem o que comer. Ou mesmo quando Pacífico, com seu jeito debochado, suspende um lado da perna para soltar peidos escandalosos, ofertando-os aos seus desafetos. Momentos dos mais divertidos e engraçados aqui, o que faz de Pacífico o meu personagem secundário predileto da trama.

O Sagrado também está presente no romance. Em uma de suas lembranças, Seu Có rememora a história do Anjo Aleijado que ele ouvira ainda quando criança. Resumidamente, o anjo não tinha uma das asas. Num dia ele decide pedir ajuda a outros anjos, os quais lhe deram penas. Essas penas foram coladas e o anjo aleijado voou para além das nuvens. No entanto, o Sol derreteu a cola que pregava as penas e o anjo veio a falecer. Um castigo ao anjo por ter desobedecido sua natureza, afinal Deus o fez aleijado e só lhe caberia aceitar. Aqui nós temos uma das sacadas mais interessantes do livro, pois a história do anjo aleijado, que marcou a memória de Có,  é uma metáfora da sua própria vida. O anjo tinha a sua sina na vida. Seu Có também tinha a sina dele. O anjo não aceitou sua condição e tratou de buscar novos voos. Seu Có também, diante das adversidades da vida em pleno Sertão baiano, buscava seus “arranjos” para uma existência plena e feliz. Merecia o “Anjo Có” ser punido por não aceitar de forma passiva sua (s) sina (s)? A reflexão instiga o leitor.

Além disso, o Sagrado se manifesta no romance através das festas juninas dedicadas aos Santos. O São João, São Pedro e Santo Antônio são festejos que fazem parte da essência do homem sertanejo. Lendo o livro, felizmente fui obrigado a reviver situações nostálgicas dessas festas que marcaram minha infância. Renato sintetiza de forma excelente o valor dos festejos: “essas festas populares davam o alento, um sopro de vida para esses viventes que habitam tão esconsos e esquecidos lugares.”

Cabe ressaltar, ainda, o valor histórico do romance. Ao trazer fatos históricos, como a passagem dos revoltosos pela região e a famosa Tragédia do Tamanduá, ocorrida na região do município de Belo Campo, Renato enriquece sua obra, elevando a qualidade a outro patamar.

Enfim, “A Última Parada do Tropeiro Deocleciano Sabino Prado” faz uma relevante reflexão sobre a própria vida. Nesse sentido, não há como o leitor não se identificar e se enxergar na história de Seu Có, sua esposa e sua família. A região Sudoeste da Bahia, a Bahia - o Brasil também! - foram presenteados com esta obra de rara beleza e que merece ser lida e relida por gerações.

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