Da Revolta da Vacina a 2020: Movimento contra imunização já causou rebelião no Brasil


Publicado em 21/10/2020 | 444 Impressões | Escrito por Gilmar Ribeiro


Da Revolta da Vacina a 2020: Movimento contra imunização já causou rebelião no Brasil

No dia 10 de novembro de 1904, a população do Rio de Janeiro, até então capital do Brasil, se revoltou contra uma medida do presidente à época, Rodrigues Alves, que impunha a vacinação obrigatória no país contra a varíola. O movimento ficou conhecido como "Revolta da Vacina". No ano em questão, o acesso à informação era precário e os benefícios da imunização desconhecidos. Quase 116 anos depois, após diversos experimentos que comprovam a eficácia do procedimento para controlar doenças, o movimento anti-vacinação cresce no país, em meio à maior pandemia da história. 

Com comportamento de quem simpatiza com essa ideologia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já praticamente decretou que a vacinação não será obrigatória, mesmo tendo assinado um documento que prevê justamente o contrário. Trata-se da Lei 13.979, sancionada em 6 de fevereiro deste ano, que estabelece a medida em seu artigo 3º, inciso III.  

Nesta quinta-feira (22), Bolsonaro afirmou que não comprará a vacina contra a Covid-19 produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan (SP), a Coronavac, porque "não acredito que ela transmita segurança suficiente pela sua origem". 

Vale lembrar que, segundo o Consórcio dos Veículos de Imprensa, o Brasil registrou, até esta quinta-feira (22), 5.300.896 casos e 155.460 mortes pelo novo coronavírus. É o terceiro país no ranking de infecções até agora, atrás de dois países com uma população maior: EUA e Índia. O Ministério da Saúde tinha firmado, na última terça-feira (20), um acordo com a Sinovac para comprar 46 milhões de doses do imunizante chinês. Isso porque resultados de análises e testes realizados na vacina, divulgados pelo Instituto Butantan na segunda-feira (19), indicaram que, entre as candidatas a imunizante contra a Covid-19, ela se mostrou a mais segura.

Segundo o historiador Carlos Zacarias, doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), os estudiosos entendem o motivo da desconfiança que originou a Revolta de 1904.

"Estamos falando de um país que tinha sido conturbado por uma década com convulsões da implantação da República. Um país que viveu uma mudança brusca de regime [Império para República, em 1889] e tinha uma população absolutamente desassistida, sem informação nenhuma. Não era burrice, não era ignorância. As pessoas em 1904 não sabiam o que era Estado, não sabiam o que era governo, vacina, saúde. E foram convidados a conhecer isso de forma dramática, com pessoas invadindo suas privacidades", afirma.

De acordo com informações do portal Fiocruz, parte da população do Rio de Janeiro não aceitava ter suas casas invadidas para tomar uma vacina que não queria, e por isso organizou um motim contra o presidente, Rodrigues Alves, e o médico Oswaldo Cruz, que comandava a Diretoria Geral de Saúde Pública.

Motivados também por interesses políticos, monarquistas, militares, republicanos mais radicais e operários se organizavam para protestar nas ruas contra a medida, e quase implantaram um Golpe de Estado. Uma das personalidades que era adepta de grupos anti-vacinação era o jurista baiano Ruy Barbosa. A Revolta só acabou com intervenção do exército. Ao todo, 945 pessoas foram presas, 461 deportadas, 110 feridas e 30 mortas. No dia 16 de novembro, Rodrigues Alves desistiu de implementar a vacinação obrigatória. 

Para Zacarias, o contexto é justamente o oposto do que é visto hoje. "A falta de informação hoje é fruto do excesso de informação, da infodemia. É uma confusão de informações e os militantes anti-vacina operam com muita competência e sucesso. O que está colocado no Brasil hoje é um negacionismo, fruto de um conspiracionismo, que não tem nenhum respeito na academia, e investe permanentemente contra a ciência, contra a inteligência. E esse discurso é comprado pelo próprio presidente da República", analisa.

Na visão do infectologista Antônio Bandeira, a vacina é uma das "maravilhas do mundo" e, do ponto de vista médico, a situação atual é muito melhor do que em 1904. "Hoje a gente não tem só conhecimento, mas a evidência na prática. Inúmeros trabalhos no mundo inteiro que mostram que a erradicação da varíola, em 1979, só foi possível porque as pessoas tomaram a vacina. Com o sarampo, estávamos chegando muito perto disso. Quando comparamos o que foi o sarampo na década de 1950 e o que é o sarampo hoje, é uma coisa maravilhosa. Quando você pensa em todas as doenças que foram evitadas, isso tudo é graças à vacina", diz. 

O historiador Carlos Zacarias ainda pondera que as afirmações do presidente Jair Bolsonaro têm influência direta no pensamento da população em relação à vacina, e que isso já afeta campanhas de vacinação para outras doenças, como o sarampo. Antes da pandemia, em 2018, a média de imunização brasileira caiu de 99%, entre 2010 e 2017, para 84% em 2018. Os dados são da Organização das Nações Unidas (ONU). 

"O efeito disso é desastroso, do ponto de vista que estudos já demonstram. A cada dia que Bolsonaro dizia que o isolamento era uma bobagem, as taxas de distanciamento caíam. E cada vez que Bolsonaro fala contra a vacina, as taxas de vacinação caem. É o presidente da República falando. Ele continua tendo influência, incidindo sobre suas bases, bordas protofascistas que são muito perigosas", pondera. 

Fonte: Bahia Notícia

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